sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Saudades


Um dia fui criança a olhar o mundo pela janela da minha casa. Contemplava a paisagem bucólica do meu bairro. Nasci e convivi num mundo simples e, ao mesmo tempo, rico de sonhos. Como era bom ser criança! Brincar, correr, sonhar e rir do mundo que foi criado especialmente para cada um de nós. Cada dia, ao abrir a janela da minha vida, o mundo se transformava e eu me transformava com ele. Vi crescer o meu mundo; meu bairro já não era o mesmo de outrora. De uma paisagem, quase rural, a um bairro periférico como muitos espalhados pelo mundo afora.
Lembro-me da terra nos meus pés; do meu corpo suado correndo sob o sol quente. Quantas risadas foram dadas junto com meus amigos daquela época. Desbravar o mundo era a nossa meta e os sonhos eram algo distante, mas que queríamos conquistar. Quantas vezes ao cair uma gota de chuva na terra não saíamos correndo. Querendo sentir no corpo a alegria de ser criança. Como era maravilhoso tomar banho de chuva com meus amigos... Nem sempre, ao chegar as nossas casas, nossas atitudes eram compreendidas. Muitas vezes éramos castigados e, mesmo assim, nada tirava dos nossos rostos a alegria de viver.
O tempo foi passando. Fui crescendo. As brincadeiras já eram outras e os sonhos também. Entretanto, para cada sonho um desafio a ser travado. Quantos de nós, sentados nas calçadas, faziam planos para o futuro. Queríamos ser alguém na vida. Um bom emprego; um bom salário; ser gente era tudo o que sonhávamos. Estudar era a minha meta. Não queria seguir os mesmos passos de muitos; queria romper o destino traçado pelo mundo desumano.
Das brincadeiras de ruas a movimentos sociais. Era preciso lutar por um mundo melhor. Precisávamos de ruas calçadas; de obras de infraestrutura. Como eram divertidas as reuniões dos grupos de jovens e da associação de moradores. Nem sabia que estava formando o meu ser social; queria, somente, mudar a minha realidade e dos demais moradores. O mundo inspirava outros sentimentos. Era a descoberta da sexualidade. Como eram tão inocentes as cartinhas de amor. Quantas juras de amor não foram ditas? Estávamos crescendo. Nossos corpos não eram os mesmos. A voz já estava mudada e o mundo adulto estava preste a chegar. Alguns amigos se perderam no caminho. Tiveram outros destinos. Culpa deles? Não acho! Com o mundo adulto; outros obstáculos foram surgindo. Queríamos ser adultos. Para sermos adultos, muitos quiseram imitar o comportamento e atitudes dos adultos. Triste realidade! O mundo adulto não era um sonho; era um pesadelo! Drogas, sonhos desfeitos, miséria. Vidas rompidas pela fragilidade de um mundo construído pelas aparências.
Não brincávamos na rua correndo, pulando... O mundo adulto tinha e tem suas próprias brincadeiras. Agora é necessário brincar de ser, de ter e de poder. O mundo não é tão bondoso como havíamos sonhado; ele é cruel. Sobreviver é a lei para sucesso. Pergunto: cadê meus amigos de infância? Não sei! Sumiram? O destino tratou de separar-nos. Eles ficaram no passado; presos na vida sem sonhos. Alguns se tornaram pais e mães muito jovens. Outros as drogas tratou de sucumbi-los. Além daqueles que se tornaram cegos e não me enxergam ao passar na rua. Cada um com suas vidas e seus destinos. Embora, muitos tenham apagados da memória, creio eu, ainda resta lembranças de uma vida simples, porém, feliz.
Sinto saudades da minha infância; dos meus amigos; da vidinha que levava. Sempre quando a saudade invade minha alma fecho os meus olhos e voo em direção a minha janela e contemplo a paisagem do meu antigo bairro que hoje é completamente diferente das minhas lembranças. Escuto as risadas, as falas dos meus amigos. Seus rostos, embora turvos, projetam-se na minha mente. Ah! Meu ser transborda de alegria ao recordar meu passado. Realmente, fui ousado a sonhar e lutar pelos meus objetivos. Vivenciei cada fase da minha vida intensamente, de tal forma, que hoje percebo que fui feliz e não sabia ou imaginava que não era. As dores e as feridas do passado já se cicatrizaram. As lágrimas que antes invadiam meu rosto pela dor da luta de tentar ser feliz aos poucos somem do meu rosto e dá lugar a felicidade.
Gostaria muito de voltar ao passado e reunir todos que fizeram parte da minha vida. Que pena que é impossível. Alguns não estão mais presentes de corpo; somente de alma. Outros se perderam neste enorme mundo que no passado não imaginava existir, pois meu mundo se resumia ao meu bairro, a minha rua. O que eu sei, é que jamais irei esquecer. Eu me prendo a estas lembranças e invento outras para sobreviver. Tornando minha vida menos solidão. Resta-me perguntar: por que o destino separa vidas? Uma pergunta sem resposta. Enfim, o tempo passou; deixou saudades. Marcas de uma vida vivenciada intensamente.

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